Hoje faz trinta anos que a tirinha do Calvin foi publicada pela primeira vez. A divertida história de um moleque loiro, filho único, mimado e egoísta, sem amigos e que nem com os pais se dá muito bem. Com todas essas “qualidades” resta a ele apenas soltar a sua imaginação. Calvin adora fazer malvadezas contra os pais, contra os colegas de escola e contra as suas babás.

O mais próximo que Calvin tem de um amigo é o seu tigre de pelúcia, Hobbes (também conhecido como Haroldo). O brinquedo ganha vida na imaginação do garoto. E a dupla vive várias aventuras. Mas o bicho sempre deixa claro que nem ele gosta muito do Calvin.

Eu tinha uns oito ou nove anos quando conheci um molequinho, de uns cinco ou seis anos, que morava do outro lada da praça que fica em frente de casa. Ele também era loiro, filho único, mimado e egoísta e sem amigos. A principal diferença é que ele era um filhinho da mamãe.

Eu era o único amigo dele. Na verdade, só ia na casa dele porque ele tinha muitos brinquedos legais (eu sei, isso é muito feio). É como se eu fosse o Hobbes. Os pais do garoto percebiam que eu era um interesseiro, mas me toleravam, pois ninguém mais brincava com o filhinho deles. Mas até que era divertido.

O esporte preferido do Calvin era Calvin Ball, no qual a única regra era nunca usar duas vezes a mesma regra. O meu amiguinho, quando jogava futebol, de repente pegava a bola com as mãos e a lançava ao gol (ou fazia qualquer outra bizarrice do tipo). Se eu reclamasse, ele dizia “esse é meu jogo”. Isso não acabava com minhas queixas, mas a brincadeira continuava.

De vez em quando, até levava alguns amigo lá, apesar que ninguém gostava dele. Mas normalmente, eu aparecia sozinho no início da noite, quando todo mundo ia para casa jantar (mas a mãe dele não me alimentava, eu comia quando chegasse em casa). Também era comum que eu fosse em tardes que não tivesse nada para fazer. Ficava por lá mais ou menos por uma hora, depois ia embora.

Ele até fez um outro amigo por um tempo, do qual também frequentei a casa por um tempo antes de conhecer o ‘Calvin’ (mas este era gente boa, não ia pelos brinquedos). Essa amizade não durou muito, pois a família do outro mudou-se da vila depois de um tempo.

Numa época de férias, num início de noite, quando eu já tinha uns dez ou onze anos, estava brincando com a molecada da minha idade (e uns um pouco mais velhos). Estávamos cansados de jogar bola na quadra da praça e fomos até o parquinho. Sabe quando senta todo mundo no girador e todos impulsionam o giro até pegar velocidade suficiente para começar a derrubar a galera? Era o que fazíamos quando o loirinho chegou junto com a sua mãe e segurando um carrinho.

Ele se aproximou do girador (que estava começando a rodar), chamou o meu nome e pediu que eu brincasse com ele. Respondi apenas “ah não!”. A mãe dele brava retrucou “depois, quando você estiver sozinho, não vai lá em casa tocar a campainha”. O garoto chorou e os dois fora embora para casa

Um moleque, que estava ao meu lado parou o girador, olho para a minha cara e disse “ela tá certa”. Todos voltaram a dar impulso. E eu nunca mais toquei aquela campainha ou encontrei o garoto na praça. Meses (ou um ano) depois, percebi que a família já não morava mais na vila.

Apesar de nunca ter saudades do garoto. Mas carrego até hoje um remorso por não convidá-lo a subir no girador conosco. Acredito que a mãe dele não deixaria, mas seria a coisa certa a fazer na ocasião.