Hoje, na hora do almoço, cortarei o cabelo (ou pelo menos pretrendo). Provavelmente irei ao salão onte fui nas últimas vezes. Não porque eu goste do lugar e do atendimento, nem por ser barato (apesar do preço estar abaixo da média do Cambuci). Na verdade vê-se claramente que os cabeleiros do salão não têm vocação para a função. Provavelmente eram pessoas que fizeram um curso profissionalizante e resolveram juntar seus fundos de garantia para brir um negócio.

Então você me pergunta: Se você pensa tudo isso do lugar, por quê vai lá então?

Primeiro, está sempre vazio. Segundo, apesar disso tudo, não fazem um serviço porco. Como não faço questão de um cabelo fashion, não ficando torto nem cheio de falhas, já fico mais que satisfeito.

Numa época na qual até para se bagunçar o cabelo é preciso tempo e trabalho na frente do espelho, como posso não ser exigente em relação ao meu corte de cabelo? É simples: no final da minha infância e até meados da minha adolescência, eu cortava o cabelo com um barbeirinho na minha vila, conhecido como Lacraia.

O sujeito tinha estatura mediana e era bem magro, daí o apelido. Pode até parecer loucura, mas o cara era alcoólatra.  Ele trabalhava completamente bêbado. Imagine alguém manguaçado passando uma navalha na sua nuca? O cabelo ficava torto e com “caminhos de rato”.

Mesmo assim, o pequeno salão dele estava sempre lotado. Com certeza não era por causa da localização num movimentado ponto de ônibus da Rua do Retiro, na Vila Viotto. O que atraía a freguesia era a enorme quantidade de “mulheres peladas” no local. A pilha de revistas era enorme. Tinha Playboy e um monte de outras que nem circulam mais. Sem falar as folhinhas: pôsteres enormes com gostosas despidas. Nem todos os calendários eram do ano corrente, mas e daí?

Às vezes eu chegava lá e tinham umas dez pessoas na minha frente. E quem disse que eu ligava? Ou melhor, quem disse que alguém ligava? Quanto mais demorasse, melhor. Tanto que eu nem saberia dizer qual o tempo médio de cada corte. Nem quantas vezes ele corria até o buteco ao lado para “completar o tanque”.

É importante lembrar que naquela época não existia internet. Era bem mais difícil para a molecada (e para adultos também) ter acesso a este tipo de material.  E qualquer chance de ver uma revista dessas era bem apreciada. A vantagem de ser num local tão público era não ter que “degrudar as páginas”.

Cortei o cabelo lá por anos. E dos 13 anos  em diante, como já possuía alguma vaidade, pedia para “rapar zero” para  fugir das falhas. Meu pai odiava isso, tanto que ameçou não pagar caso ele raspasse meu cabelo e o do meu irmão. E ele se viu obrigado a cumprir a ameaça e dar o “calote” no Lacraia algumas vezes.

Lá pelos meus 16 ano, quando o Lacraia já não bebia a um bom tempo, passeia a cortar menos o cabelo. Mais ou menos a cada seis meses, raspava a zero. E meu pais se deu conta que sairia mais barato comprar uma máquina no camelô. E foi assim que parei de ir ao “Barbeirinho”. Não muito tempo depois, ele mudou-se da vila.

Meus amigos da rua sempre me ricularizavam por ir no Lacraia. Mas por que eu esquentaria com isso? Afinal, eles cortavam o cabelo nos mesmos salões unisexes que suas mães. E do jeitinho que as “velhas” mandassem.

Portanto hoje não sou tão exigente em relação ao meu corte de cabelo. Cuido, lavo com condicionador, passo creme para pentear, penteio. Mas o cote em si, como já disse, não ficando torto nem falho já está ótimo.