Bem-vindos à esta nova década que começa hoje (já é dia 4 de janeiro, mas é a primeira segunda-feria do ano).

Em alguns dos últimos posts de 2009 comparei as esperanças e as decepções do encontro de Copenhague com situações do meu cotidiano (aparentemente sem ligação direta com a convenção na Dinamarca). E talvez você deva ter se perguntado o que posso fazer além de estacionar direito e não soltar saguis em praças? Eu também me fiz essa pergunta.

Palavras como sustentabilidade, reciclagem, crédito de carbono, emissão zero e orgânico hoje estão na moda. É bonito usá-las em frases. Mas na prática o que significam? Não o que o dicionário fala, mas que valor esses termos têm, ou deveriam ter, num contesto de preservação do planeta.

  • Sustentabilidade, se manter, preservar, ou seja, não deixar faltar. Quando Cabral chegou por aqui, a primeira providência foi derrubar o máximo que conseguiam carregar de uma madeira vermelha, que na Europa era usada para fazer corante. Você já viu um pau-brasil? Digo, se você vir um numa calçada, e não tiver nenhum indicativo, conseguiria identificá-lo? Na época ninguém pensou que ele poderia acabar e o negócio quebrar. Ou seja se alguém tivesse tido a simples ideia de replantar, muita gente ainda poderia estar vivendo disso, reservando não só a espécie, mas principalmente o lucro dos que devastaram a árvore, sem pensar no “depois”.

  • Reciclagem, reprocessar, passar por um novo ciclo de produção voltando a ser matéria-prima. Enquanto o material aguentar vamos reaproveitá-lo. É muito mais barato fazer uma lata de cerveja a partir de outra do que do minério bruto de bauxita.

  • Nunca entendi exatamente como o crédito de carbono funciona, mas na prática significa que se você polui de mais, pode limpar sua consciência pagando para alguém que não polui pelo excesso de CO2 que você emite na atmosfera.

  • Emissão zero é quando todo o dióxido de carbono que você despeja no ar vem de uma fonte vegetal cultivada pelo homem, não de uma reserva de petróleo enterrados desde que “Deus criou a Terra”. Ou seja, o CO2 é reciclado pela fotossíntese.

  • Orgânico, esse eu não sei exatamente explicar. Quando estava terminando a faculdade, assisti uma palestra sobre branding de automóveis com um cara que fazia doutorado sobre o assunto, em Londres. Em um trecho, o orador falava sobre algumas diferenças culturais entre europeus e brasileiros, quando ele comentou: “meu filho, por exemplo, quando vai ao McDonald’s na Inglaterra só pede leite orgânico para beber”. Neste momento levantei o braço e perguntei “o que é leite orgânico?” (uma fruta orgânica eu sei o que é, mas leite nem sabia que existia). O palestrante tentou dar uma resposta, mas parecia que ele tão curioso quanto eu para saber o que era um “leite orgânico”.

Em resumo, para ser moda não é preciso ter um significado convincente. Se for algo relevante cria raízes na cultura e se eterniza.

Mas enfim: o que posso fazer além de estacionar direito e não soltar saguis em praças?

Neste ponto percebo que escolhi uma profissão que está na linha de frente deste problema: o design. Num livro que li recentemente, o autor enfatizava muito como as empresas ainda despesam o “valor estratégico do design” ao redor do mundo. Não o valor “cosmético”, mas o equilíbrio entre a ergonomia e a produção em série, ou seja, custo e benefício.

Não adianta criar uma embalagem e carimbar nela “ecologicamente correto” se o custo final ao consumidor for o dobro ou que não conservasse tão bem o seu conteúdo quanto as convencionais. Se o bolso doer, a pessoa esquece a dor do bolso.

Um bom exemplo é o carro a álcool. Criado durante uma crise de abastecimento mundial de petróleo, na década de 1970. começou a perder força quando o governo diminuiu os incentivos no final dos anos 80. A dez anos, estava praticamente descartado, quando as pessoas começaram a notar que ele era R$ 0,50 mais barato que a gasolina por litro. Aí surgiram os motores flex, o mundo percebeu as vantagens e o combustível de emissão zero conquistou mercados.

Sei que isso não depende apenas do designer, evolve químicos, engenheiros de materiais e outros que nem me lembro para citá-los. Mas o que acontece é que todos esses desenvolvem os materiais, mas quem precisa transforma-los em algo que atenda as necessidades do consumidor é o designer. Não simplesmente distribuindo informações na superfície de uma embalagem, mas determinando qual a faca ou o molde gera menos sobras de material, ao mesmo tempo que se encaixa perfeitamente na mão da dona-de-casa.

Eu não compraria um alimento industrializado que viesse numa embalagem biodegradável, mas sei que nem todo material sintético, adotado pela indústria é reciclável, e sei que uma embalagem “ecologicamente correta” que custe mais, eu acabaria comprando uma ou duas vezes, e depois voltaria para o tradicional.

Não adianta o McDonald’s vender “leite orgânico” (seja lá o que for) em Londres e servir sorvete em copo de isopor em São Paulo. Se eles substituíssem o material das embalagens de sanduíches de cartão duplex por craft e usassem menos tinta (e que fossem biodegradáveis), elas poderiam ir direto para o lixo causando o mínimo impacto ambiental. Sanduíches e outros alimentos de fast foods precisam de embalagens “gritantes” tanto quanto um televisor. Você vê a foto do produto, a vitrine ou mostruário, aponta e o vendedor lhe entrega um. Ou seja, nem tudo compramos pela embalagem mas observando o produto fora dela, então porque criar sujeira desnecessariamente? Provavelmente o preço poderia até cair um pouco.

Também não precisamos fingir que nos importamos. Se você procurar na embalagem de papel reciclado tanto da Chamex ou da Suzano, descobrirá que este produto é composto basicamente de duas fontes de matérias-primas: aparas e sobras da própria fábrica, e papel produzido e reconduzido ao reprocesso ainda virgem. Ou seja, muito mais um símbolo que uma ação. E quem o usa abre mão do branco e das “cores verdadeiras” achando que está salvando o planeta.

Quero dizer que não estou sugerindo um boicote ao McDonald’s, à Chamex ou à Suzano. Nem tenho nada contra essas empresas. Apenas dizer a vocês não existe conscientização sem opções realmente viáveis para o bolso de quem produz e consome. E é isso que proponho a nós designer (e profissionais de áreas afins) busquemos nesta década que começa hoje.

Comentários

  1. Ganthet disse:

    Não da onde voce tirou essa estoria de que os papeis Reciclato e Eco, da Suzano e da Chamex respectivamente, são feitos da reciclagem de papel que nunca foi usado. Isso é ridículo. Voce devia checar as informações que coloca no site. Tanto o Reciclato quanto o Eco são feitos de papel que sobra das fábricas deles e que vem das grandes gráficas que compram papel normal deles. E quanto a “abrir mão do branco e das cores verdadeiras, já está sendo vendiada uma versão totalmente branca e sem fiapos do Reciclato da Suzano.

    E porque essa frecura agora de ter que fazer login para poder comentar no seu blog?

    1. JODF disse:

      Estou a 15 dias correndo atras de uma resposta para lh dar. Pesquisei, procurei a embalagem de Reciclato onde eu vira a informação. Mas não achei nada. E é como você disse mesmo, os papeis Eco e Reciclato são feitos exclusivamente de apararas.
      Desculpem pela informação erronea.