Se você tem minha idade, um pouco menos, ou muito mais, então é do tempo quando vídeo cassete era “coisa de gente rica” e computador era “equipamento da NASA”. O vídeo-game naquela época era barulhento, o gráfico era absurdamente tosco e o controle possuía apenas um botão e uma alavanca dura. Anos 80 e 90.

Uma coisa que me lembro muito bem é o televisor que me acompanhou por toda minha infância e grande parte da minha adolescência. Havia duas linhas com quatro botões para a sintonização de até oito canais VHF (ainda assim um ficava sempre vago). Não era essa “fartura” que temos hoje de UHF e TV paga. Lembro-me até a posição ocupada por cada canal no aparelho:

  • Primeira linha: Cultura/vídeo-game; TVS (que mais tarde virou o SBT); Globo; Record.
  • Segunda linha: Manchete; Gazeta; botão vazio; Bandeirantes.

Apesar de haver uma qualidade muito maior nas produções nacionais, a TV era cheia de programação estrangeira: filmes, séries, desenhos, documentários e até novelas. Tudo falado em português. Se você abomina a dublagem brasileira, mas viveu naquela época, sabe que o que vemos (ou ouvimos) hoje não tem mais a qualidade que tinha.

Uma série ou desenho poderia ficar dez anos no ar que cada personagem teria sempre exatamente a mesma voz. Mesmo que o dublador fosse o mesmo, era muito fácil distinguir cada personagem pelo tom e impostação, sem ter que ouvir o seu bordão. Um ator tinha a mesma voz, não importava o filme ou a série.

O maior mestre que a TV tem em criação de vozes diferentes é Orlando Drummond (o “Seu Peru”), responsável pelo Popeye, Alf, Scooby-doo, o Gato Guerreiro/Pacato, Gargamel e muitos outros.

MacGyver, Arnold Schuarzeneger e He-Man/Príncipe Adam tinham o mesmo dublado (não sei seu nome). Além do tom de pele, Adam e He-Man se diferenciavam facilmente pela impostação da voz: He-Man era mais agressivo, enquanto Adam era mais “viadinho”.

Os tradutores também desempenhavam um ótimo trabalho. Até hoje lembro-me exatamente algumas falas de alguns filmes, que não assisto a uns quinze anos:

“Uma garota inocente… Um passeio inocente… O que pode dar errado?”

“O futuro voltou! E agora vamos nós!”

“ET, telefone, minha casa.”

“Marcus tem amigos em cada vila, daqui até Alexandria”.

Fora expressões que só ouvíamos em filmes, como “tira” (policial) e “traseiro” (bunda).

Existiam alguns estúdios responsáveis pela dublagem de tudo que assistíamos na TV: AIC São Paulo; VTI Rio; PKS; Marshmellow; Gota Mágica (desenhos e séries japoneses). Mas a maioria dos trabalhos de tradução eram feitos pelo lendário Herbert Richers (ou ‘Rébert Richards‘, ou “Éber Bilistian‘, ou ‘Érbert Vixam‘).

Sempre que começava qualquer filme, desenho ou série, aguardávamos um locutor dizer:

“Numa distribuição (nome da distribuidora): (o título do filme ou do episódio). Versão Brasileira Herbert Richers”.

Não era a mesma sessação quando era feito em outro estúdio. Não passava a mesma credibilidade. Exagerando um pouco, dava até vontade de mudar de canal. Apesar de todos fazerem excelentes trabalhos, “Versão Brasileira Herbert Richers” é uma frase que faz parte da história da TV brasileira.

Com a popularização do comércio DVDs na última década, e a falta de acordo sobre o direitos dos dubladores, muitos trabalhos de dublagem foram refeitos e quase não ouvimos mais a tal frase. Muitas das falas que decoramos e repetíamos nas brincadeiras na rua e na escola, hoje estão bem diferentes. Não reconhecemos as vozes de atores e personagens. Vemos até o absurdo de nomes diferentes para os mesmos personagens em sequências de filmes.

No dia 20 de novembro (sexta-feira), estava curtindo o feriado e assistirndo o Jornal Hoje (Rede Globo), quando soube da notícia: “Morre o cineasta Herbert Richers, o pioneiro da dublagem no Brasil”. Eles contaram um breve resumo da vida e carreira do homem: onde ele nasceu, que fazia “jornais cinematográficos”, quando entrou no ramo da dublagem, e do que morreu. Mas, na verdade, isso tudo não interessa a ninguém. Apesar de ninguém saber exatamente quem ele era, ele fazia parte da vida de todo mundo.

A minha geração, as anteriores e a posterior, sempre que um filme começar na televisão ouviremos, em nosso subconsciente:

Comentários

  1. Nathália Piva disse:

    8 botões para canais?!?! O rádio original do Del Rey do meu avô tem botões p/ memorizar 10 rádios diferentes? Em que era você nasceu?

  2. Ganthet disse:

    O cara era tão lendário quanto o Lombardi.

  3. Ganthet disse:

    Acrescenta mais um na sua lista de “lendas da TV que já eram”: Lombardi.

    1. JODF disse:

      Pois é… Se você não tivesse lembrado que ele existia, talvez ele ainda estivesse vivo.

  4. Ganthet disse:

    Agora eu é que sou o culpadp pela morte do Lombardi?