Só quem consertou um controle de Atari realmente jogou videogame
Lembra-se do objeto ao lado? Não me interessa se você sabe o que é, mas se já segurou um desse. Você jogava videogame há mais de vinte anos atrás? Quando o termo “videogame” se referia a um objeto específicamente e não a uma classe de aparelhos eletrônicos.
De meados dos anos 80 até o início dos anos 90 eram muito raros os aparelhos não Atari ou compatíveis (Daktar, CCE e outros), por isso apenas eram chamados de videogames. Como liquidificadores ou vido-cassetes, ninguém precisava especificar o modelo ou marca. Era tudo a mesma coisa.
Pobre ou rico, todo mundo tinha um videogame, acompanhado de uma pilha de cartuchos (ou fitas, como também eram chamados). E isso nivelava muito a molecada.
Lembro-me, principalmente nos meses de férias, quando eram umas 18h, depois de jogar bola, andar de bicicleta, andar de carrinho de rolemã, soltar pipa ou de brincar de qualquer outra coisa o dia todo, cada um ia para a sua casa, tomava banho e jantava. Então cada moleque pegava seus melhores cartuchos e íamos todos para a casa de alguém. Não existia um rodízio predeterminado, o local era determinado pela disponibilidade de uma TV para jogarmos. Todas as noites nos juntavamos em uns dez ou mais para jogar.
As regras eram simples:
- Uma vez de cada;
- Desafios poderiam ser feitos para os jogos de dois;
- Em caso de um cartucho com problemas, no qual fosse difícil fazer funcionar um determinado jogo, quando este jogo funcionasse, todos que queriam jogá-lo ganhavam prioridade sobre os demais;
- Sem separação hetária. Tinha carinha de 13, 14 anos enfrentando molequinho de 8 anos de igual para igual.
- Sem muita gritaria;
- Sem brigas;
- Sem ofensas;
- O dono da casa era igual aos outros.
Como, mesmo naquela época de hiper-inflação, os jogos eram baratos, havia muita variedade e ram muito fáceis de encontrar, sempre alguém apresentava alguma novidade.
Acho que a desculpa mais clássica para uma derrota era “o controle falhou”. Isso realmente acontecia muito, mas não impedia o orgulho do vencedor.
As vezes o controle quebrava mesmo. Então eramos obrigados a desmontá-lo para consertar. Lembro-me que haviam cinco chapinhas curvadas que serviam tanto de contatos para os comandos, como molas. Eram quatro para as quatro direções da alavanca e uma para o botão vermelho.
Algumas vezes precisávamos corrigir a curvatura das chapinhas. Outras vezes precisavamos apenas recola-las. E quase nunca tinhamos durex ou outra fita. Chegavamos a descolar etiquetas de peso de sacos de frutas para fixar os botões. Era bizarro, mas era uma manutenção muito simples.
Afirmo que só quem fez isso, concertar um joystick de Atari, sabe o que é jogar videogame de verdade.
Já nos anos 90, fomos apresentados a outros sistemas (chamavam-se sistemas, não plataformas ou consoles), como o Master System, Mega Drive e Nintendinho (na verdade eram aparelhos genéricos do Paraguai, nomedos Phantomsystem ou Microgênios) e as coisas já não eram mais tão iqualitárias.
Normalmente quem tinha nintendinho era doido para jogar o Master. Mas quem tinha Master System sempre dizia “vamos na sua casa jogar Phantom System e amanhã vamos lá em casa”. Mas este amanhã quase nunca chegava.
Era difícil comprar um bom jogo de Nintendinho (os ‘meia-boca’ você comprava até em boteco). Normalmente alugavamos um cartucho. Juntavamos etrê ou quatro pessoas (nunca mais que isso), cada um dava R$ 1,00 (ou melhor, o equivalente em Cruzeiros). Lá pelas 7h do sábado, estavamos na porta da Sparta Vídeos para pegar McKids, Tartarugas Ninjas III ou Mario 3. Como a locadora não abria aos domingos, só devolviamos o jogo na segunta a noite.
O espírito de cooperação ainda prevalecia um pouco. Apesar da diminuição no número de pessoas presentes, ainda tinhamos algumas regras, como “um continue de cada”. Quando as vidas de um jogador acabava, outro assumia o joystick e continuava de onde onde o personagem parou. Era um esforço conjunto para terminar.
Quando surgiu o Supernintendo, o aparelho era muito caro. Jogavamos por tempo na locadora. Muitas vezes saíamos da escola, cada um dava um pouco de dinheiro e jogavmos 15 min ou meia hora. Esperavamos duas horas nossa vez mas e daí?
A geração seguinte (Dreamcast, Nintendo 64 e Playstation 1) já não era tão cooperativa. E a coisa só piorous. Hoje você tem muitos jogos, que são muito longos e normalmente individuais. Normalmente, o modo “multiplayer” lhe permite jogar com gente do mundo todo via web. Mas você não jaga mais com seus vizinhos ou a galera da sua escola.
a tecnologia evoluiu. Mas parece que as relações humas só regrediram.